segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Espetáculo


Preparei tudo,
Cuidei de cada detalhe.
Ensaiei,
Vesti minha roupa a caráter.
Maquiagem, perfume
E flor nos cabelos.
Subo no palco.
Começa o espetáculo.
Danço, canto,
Rodopio e provoco ilusões.
Dispo-me devagar...
Aos poucos, quem assiste
Conhece cada parte,
Cada pedacinho de mim.
Aos poucos, quem permanece
Enxerga o beijo
Através do batom vermelho,
Os sonhos, por trás da flor no cabelo,
E o desejo escondido em meu olhar.
Tantos são os olhares,
Infinitos os suspiros,
Incontáveis os aplausos...
Naquele palco adornado,
Onde cada detalhe foi desenhado,
Sonhei que um daqueles aplausos
Pudesse vir dessas mãos
Escorregadias, distantes.
Essas mãos, para cujo dono
Danço nesta noite sem fim.
Durmo sem certeza,
Acordo sem saber.
Sonhei que um daqueles aplausos
Era só seu, para mim.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Momentos


Você já quis
Aquele momento sem fim,
Aquele instante sem tempo,
Perdido no espaço?
Já desejou aquela noite infinita,
Quando pode ver o pôr-da-lua,
E o nascer dela outra vez?
Um momento sem hora,
Que nunca é tarde ou cedo,
Por isso, não há demora,
Não há pressa,
Já que não há tempo:
Nada é urgente.
Não há limitações,
Delimitação de espaço,
Ou indicação de término.
Anseio por momentos circulares,
Fins e começos unidos,
Não identificáveis...
Palpáveis,
Vívidos,
Meus.
Só quero fins com recomeços,
Mas momentos sem fim...
Ah, os quero tanto!
Quero só pra mim.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Fugaz


Fácil pra quem?
Esse vai... e não vem
Esse “não-sei-quem”
Que entra sem bater
E sai antes da hora de ir.
Ei... tá aí?
Não, só pra saber.
Pode ficar onde está...
Distância de segurança,
Medida de proteção.
Não fale demais:
Me embriaga, me exonera
De qualquer culpa
De libertar meu lado sádico
Quando vejo a mim de frente
Me deixando ser levada
Por esse instante efêmero.
Me perco de mim,
Acredito que é real
Que será sempre assim.
Um segundo depois:
Quero voltar,
Engolir as palavras,
Dessorrir os risos,
Me desenvolver dessa dança.
A incerteza se instaura.
A insegurança do vazio
É maior que o abraço desejado
Que o cheiro imaginado
Daquele momento fugaz.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Incerteza


Aqui do alto,
Nem sempre é mais bonito,
Nem sempre é onde se vê
Todas as flores da paisagem.
Aqui, de cima do muro,
Não sei para que lado pender.
Estou prestes a cair
E é incerto se haverá braços
Após a queda provocada.
Entre as nuvens e neblinas que vejo
Não consigo enxergar
Quais desejos existem.
Vontade, medo?
Indiferença, desvontade?
Me puxe para um lado
Ou me empurre de uma vez.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Paradoxo


Arrepio,
Colisão,
Uma rua de mão única.
Medo de se entregar
E perder
O domínio dos sentidos,
O império da razão.
De deixar de ser dono de si.
Vontade de correr
Na direção oposta,
Na direção exata
Do arrepio.
Vontade de se entregar.
De viver
Cada respiração.
De sentir
Cada sabor.
Ir ou ficar...
Arriscar?
Não há escolha.
Nesse pseudo-paradoxo
O caminho está traçado
Antes de cogitado
O primeiro passo.

domingo, 27 de novembro de 2011

Encontro



Em certo momento,
Um exato lugar,
As estrelas conspiram,
Duas respirações se afagam...
Tudo para:
O mundo pode esperar.
Aquele instante é exato
É encontro marcado
Sem ser agendado.
Sagrado.
Cada pedra e cada tropeço,
Cada momento infinito de espera
Culmina naquele instante
Que seria outro,
Não fossem todos os percalços,
Não fosse cada atraso,
Cada segundo que a vida nos fez esperar.
Em qualquer momento,
Qualquer lugar,
Em um tempo incerto
Que ninguém sabe sincronizar,
Dois passos coincidem,
Convergem.
Há uma troca tácita,
Uma conexão implícita,
Um encontro de dois.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Carpe diem


O manhoso
Amanhã
É como uma carícia
Do amante que não se sabe se é.
Nunca sabemos se virá,
Não avisa se vem.
Não marca encontro
Ou deixa rastros...
Só a vontade
De chegar.
Não há atalho
Para esse lugar.
Como ondas, os ontens
Vieram, e se foram.
Aqui, não estão mais.
Como alcançá-los?
Não há mais.
São muitos, diversos
Como as antigas paixões.
Um dia, aqui estiveram.
Foram presentes com laços
De momentos presentes
Em um passado distante.
Em um passado recente.
No passado.
Se foram.
Só o hoje me possui.
Sou filha do presente.
Vivo para sentir,
Sinto para viver.
Arrisco viver o momento:
Não vivê-lo é um risco ainda maior.
Sou títere do momento no qual estou.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Camaleoa



Se meu ritmo
Amedronta,
Recue,
Afaste-se:
Siga os passos
De outra dança.
Ou acompanhe
E vai perceber
Que o ritmo que assusta
Pode embalar
Seus desejos,
Trilhar os caminhos,
Podar o medo.
No entanto, não se molde
Ao ritmo primeiro embalado:
Meus ritmos são muitos.
São tantos,
Capazes de deixá-lo tonto;
Uma vertigem mansa,
Uma nuvem confusa
Que, misturada a essa dança,
Embriaga-lhe de mim.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Insaciável


Desejo o que quero,
Não quero menos do que sei.
Não me ofereça uma parte,
Não quebre pela metade.
Só quero por inteiro,
Saborear cada devaneio,
Escorregar por cada saliência,
Sentir todo pulsar.
Quero ouvir cada sussurro
Que embale meu corpo,
Que transborde minha alma.
Andar por todos os caminhos
Cujos ventos que soprem
Abracem o meu dorso.
Quero isso e também aquilo,
Quero um pouco e muito mais.
Se o que desejo vai além,
Vá buscar:
O ofertado não é uma quimera.
Se isso é demais,
Então demais é o que almejo.
Nem uma gota a menos,
É só o que desejo.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Intocável


Se encosta,
Eu desabo
Desconectam-se os cabos
Que prendem o que perdura
O que resta
Em meio a esta
Medíocre,
Tensa,
Fina estrutura.
Sou cartas em um castelo
Onde ninguém deseja morar.
O vento não abala,
O tempo...
Tanto faz.
No entanto, não encoste.
O peso de um dedo
Pode fazer tudo desmoronar.

domingo, 9 de outubro de 2011

Felina



Não exija uma transformação,
Não espere uma mutação:
Não sou uma lagarta.
Decida onde quer pisar.
Não me peça para acompanhar
Cada passo dessa dança.
Deixe que meus braços te envolvam
Quando eles bem quiserem...
Que te levem, que te puxem,
Que escorreguem sobre você.
Deixe que eles sigam sua vontade,
Para que exista o desejo
De em mim te envolver.
Mas se uma valsa é o que almeja,
Se regras não-ditas embalsamam meu ser
Então me transformo,
No que sempre fui, afinal.
Não mais verá a mim,
Em minha sombra, um felino.
Jamais serei uma borboleta.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Fuga



Esqueça os medos
E dispa-se do apego:
O seu ego te cega
E assim não enxerga
Que lá fora há mais,
Que o mundo é maior
Do que o seu lugar,
Do que esse nada,
Esse espaço no qual vive,
No qual nascemos para esmaecer.
E daí “se”?
A fuga liberta...
Desprenda-se dos planos,
Permita que o agora planeje você.
Reconstrua-se a cada instante,
Mergulhe no mundo
Deixe que ele inunde
Cada partícula interior.
Em outros universos
Seja outro,
Seja mais.
Seja menos:
Saboreie cada desejo.
Inspire cada cor,
Caminhe pelos detalhes.
Não viva alerta:
Só o inesperado se espera.   
  

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Eva



Os meus pecados?
São meus.
Estão trancados,
São invisíveis.
Não macularei sua silhueta
Ou pintarei suas faces
Ao desenhá-los a outrem.
Meus pecados têm sabores:
São doces,
Amargos.
São picantes e salgados.
Não são contáveis,
São imensuráveis,
Dissimuláveis,
Indissolúveis.
Nunca sei quando serão:
Não avisam sua chegada.
Certos deslizes são sementes de prazer:
Convidam um sorriso
A dançar no canto da boca
E atiçam as borboletas
Que brincam dentro do estômago.
O frio na barriga,
Ao sentir o chão escorregadio,
É o que me faz realizar:
Estou desperta.
Percebo-me.
Sou dona de mim.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Templo



Em mim, um templo.
Que ecoa,
Que acolhe,
Que não escolhe
O que me encontra.
Tudo o que envolvo,
O que me toma,
Me transforma,
Marca um tempo em mim.
O alheio
Dentro do meu centro,
É um vislumbre da colisão,
Da imersão,
Do novo que me invade.
Sou um templo.
Em mim, todo momento
Inunda.
É guardado.
É sagrado:
Se assim for.
No templo em mim
O eco se faz presente,
Mesmo quando a voz cala.
Os passos não se apagam,
Não andam para trás:
Perdem o caminho
De volta aos pés cansados.
O intacto templo
Onde ninguém jamais esteve,
Onde voz nenhuma antes ecoou,
Aquele nunca visitado,
No passado, adormece. 
Não posso retroceder
Nem mesmo um piscar
Do momento no qual estou.

sábado, 27 de agosto de 2011

Segredos



Espere!
Cale...
Não exale nenhum ruído.
Não esboce sequer um gemido.
Não fale o que se espera,
Ou mesmo o que altera
O ápice do desconhecido.
Permita que o não-saber
Seja a porta do desejo
Seja o beijo da serpente
Seja o sempre querer-ter.
Não revele seus segredos:
Esse mistério que te envolve
Inunda-me por completo...
Provoca anseios,
Faz-me títere,
Guiando meus passos
Sem direção.
Não revele seus segredos:
Não me entregue seu passado.
Sussurre em meu ouvido,
Conte seus quase-sonhos,
Cante seus planos para o entardecer,
E todos seus segredos
Não terão mais razão de ser.

sábado, 13 de agosto de 2011

Mutável


Não queira meu passado:
Minha origem,
Nem eu sei -
É mais obtusa
Que meu fim.
Não questione
Minha história.
Não sou mais aquela,
Cujo futuro não era esse presente.
Por que querer outra
Distante de mim?
Não escrutine meus erros
Não me vire pelo avesso
Não leia meus passos
Como previsão do meu amanhã.
Condene-me pelo hoje,
E não espere uma fórmula:
Não sou hoje a de ontem
Nem a que serei amanhã.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Outra


Num outro universo
Não sou essa que estou.
Não choro em demasia,
Ou sorrio sem medidas.
Lá, minha voz não se altera,
Meu caminho não tem curvas,
Minhas surpresas são planejadas
Minha hora é sempre marcada. 
Nesse outro universo,
Sou alguém que não sou.
Uma parte que me reconheço
Quando em um bater de asas de borboleta
Entro em metamorfose,
Distancio-me da inconstância,
Da eterna alternância
De quem constantemente sou.
Nesse lugar que não existe,
Afasto-me de mim,
Apago as cores do mundo,
Suprimo meus sonhos.
Ainda assim, viajo para lá:
Isolo meu ser, 
Guardo tudo o que tenho,
Protejo-me.
E em um bater de asas de borboleta,
Volto a sonhar.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Silêncio


Se eu calo,
Não é um vazio,
Não silencio
O meu pensamento.
O eco do não dito
Pode ressoar mais alto,
Pode subverter um grito,
Pode traduzir o desabafo mais aflito.
Quando calo,
Aceite meus olhos,
Meus braços e mãos...
Agarre o que houver.
Leia meu corpo,
Entenda meu alfabeto,
Queira qualquer afeto,
Sirva-se de mim.
Não procure por palavras:
Tão rasas,
Quase nunca exatas,
Tão escassas.
Sua caça
Pela presença de som
Torna-me indócil,
Desejosa de asas,
De vento,
De mundo.
Então mergulhe em meu pseudo-vazio,
E em meio ao meu silêncio,
Respire o que sou,
Escute meu nada,
Inebrie-se de mim.